Por: Edezilton Martins
Fernão Capelo Gaivota é o título
de um livro de Richard Bach (disponível em DVD - filme) que retrata a ousadia
de uma gaivota em treinar voos rasantes, e desenvolver capacidades que para as
gaivotas comuns somente os deuses poderiam ousar. Por isto Fernão Capelo, a
gaivota protagonista do enredo, é banida do bando, e empreende uma jornada de
crescimento interior que o leva a extraordinária descoberta do eu livre de
limites; a descoberta de um estado de consciência integradora como se houvesse
um todo do qual somos partes e o todo ao mesmo tempo. Para os anciões do bando das gaivotas Fernão
Capelo não se comporta como um humano.
Para Fernão Capelo não há limite.
O limite somos nós que criamos, ou permitimos que as instituições, sobretudo as
religiosas criem.
Fernão Capelo Gaivota, uma vez
banido, encontra-se com um o ancião (Chiang) o qual lhe auxilia na sua
lapidação, no descobrir a perfeição e o seu eu interior. Fernão retorna ao seu
antigo bando para lhes ensinar o que aprendeu.
No filme, assim como no livro é
dito que o céu não é um lugar, que o céu é a perfeição. O filme ainda se
aventura por temas como telepatia, sincronicidade, verdades estabelecidas, etc.
O filme foi apresentado no Cine
Deusa Branca de Tupanatinga-PE, numa sessão especial para convidados. Após a
apresentação houve uma palestra seguida de um bate-papo entre os presentes.
Palestra e debate que se transformaram num grande momento filosófico.
Existe a perfeição?... Há uma
consciência integradora e um todo?... Há uma natureza interior no ser
humano?... Deus e homem são um?...
Para responder a estas perguntas,
que são temas do filme, embora não tratados de forma direta, o palestrante,
Edezilton Martins, colocou sob o crivo
da dúvida quaisquer formas de certeza absoluta. Afinal não temos a obrigação de
acreditar em verdades, mas duvidar de todas, ou vê-las como possibilidades.
O homem hoje vive e pensa sob o
paradigma cartesiano em que tudo precisa ser explicado, onde o pensamento
estabelece limites, e principalmente emite ordens de conformidade, fazendo com
que nos conformemos com o pouco. Os religiosos, por exemplo, se contentam de
que o sentido da vida é sofrer aqui na terra para ir para o céu quando morrer,
e deixam de buscar um sentido para a vida aqui na terra. Isto que faz Fernão
Capelo Gaivota.
Diz a bíblia que Adão e Eva
viviam no Éden. Não sentiam frio, calor, fome, dor, etc. Ou seja, o Éden era o
paraíso (céu) ou o Éden (paraíso) é consciência. Adão e Eva eram um estado de
consciência, seres transcendentes e impensáveis. Não dispunham de matéria
física (corpo e sentidos sensoriais).
A queda do homem (o ato de comer a maçã) é a própria criação do homem
dotado de pensamento, dogmas, conceitos, por conseguinte com entendimento limitado.
Será possível que o homem caído se
transfigure, transcenda a sua condição humana e experimente algum estado de
consciência absoluta e integradora que o leve a se sentir uno com o todo?...
Devemos ter isso como uma possibilidade. De fato sabe-se que o homem
experimenta estados de transcendência, de consciência avassaladora em que sente
fazer parte deste todo. Se este
sentimento é uma ilusão criada pela mente ou imaginação humana não se
sabe. A perfeição buscada pelo
protagonista do filme é a integração com este todo.
Não se trata aqui de estarmos tratando de
matéria mística. A ciência contemporânea já se pergunta, ao nível da
possibilidade, se não é possível haver o “fator consciência” por traz da
formação da matéria. Agora, no mês de dezembro/2011 cientistas encurralaram num
acelerador de partículas na Europa a partícula que faltava, e que é responsável
pela massa do átomo, à qual deram o nome de “partícula de Deus”.
O homem, hoje, está adotando a
paradigma holístico em substituição ao cartesiano. Trata-se de uma volta ao
pensamento dos antigos filósofos. Heráclito de Efeso escreveu que “Tudo é um”.
Parece que tudo é um ou nada tem sentido.
Não se trata de fazer apologia ao
não pensar cartesianamente. O pensamento elaborado e construído com alicerces
firmes, embasado é necessário. Do contrário o homem se tornaria um alienado. O
que se defende é que por conta deste pensar cartesiano o homem não se entregue
ao que não é explicável logicamente, isto é, o viver o transcendente; o divino
no humano.
A verdade última seria que matéria é
consciência?... Ou que tudo é Deus, porque Deus é consciência? ... (perguntas
que não se pode deixar de fazer).
Se tudo é um, tudo é Deus. Se
tudo é Deus as religiões estão equivocadas quando levam o homem a se pensarem
como separados de Deus, seres submissos, coitadinhos, destinados a sofrerem
aqui na terra para terem como recompensa o réu dos céus?...
As religiões e as instituições ao prometerem
um sentido para a vida pós-morte criaram um homem conformado com a miséria em
que vive: ausência de cidadania, infraestrutura, bom serviço de saúde, educação
de qualidade, emprego digno, etc. E o maior dos conformismos: o de que somos
seres inferiores, limitados, submissos, “separados do todo”, totalmente
destituídos de características divinas. Ou seja, criou-se um homem conformado
com o sofrimento porque “bem aventurados os que sofrem porque deles é o reino
dos Céus”. Ou seja, homens como as gaivotas do bando de Fernão Capelo que não
ousam, e pensam ser da natureza das gaivotas pegarem peixes nas águas rasas,
nos lixões. Homens sem autoestima. Destinados ao sofrimento.
De tudo isto, parece sensato
acreditar que “existem mais verdades entre o céu e a terra do que pensa a nossa
vã filosofia”.
Este artigo questionador termina
com uma frase de Joseph Campbell, que pode parecer forte para alguns, e que foi
a frase com a qual foi encerrada a palestra sobre o filme, qual seja: “Na sua
natureza mais profunda o homem é Deus”.